segunda-feira, 29 de julho de 2013

Um mês - Diário de Bordo Rio

Um mês. Mensurar o tempo nos ajuda a planejar e organizar nossa vida. Ao mesmo tempo nos aprisiona em convenções sufocantes, como horários de almoço, hora do rush e poucos dias de férias entre meses de trabalho. Quando mexem com ele tudo pode acontecer, como a pequena mudança no horário de verão que incomoda muita gente ou os resultados das greves: semanas de estudo e trabalho fora do tradicional calendário.
30 dias morando no Rio de Janeiro e posso relatar que vivi experiências intensas, algumas impublicáveis. “Eu vou formar e ir embora”, a frase entoada durante meses se tornou realidade e a expectativa de começar a vida em um lugar totalmente novo era grande. Já posso dizer que o Rio de Janeiro das visitas não é o mesmo para quem faz daqui moradia.
O povo. As pessoas não são acolhedoras como se ouve falar na televisão. Muito menos pacientes como afirmam por aí. O atendimento é precário, a maioria dos prestadores de serviço te trata como se estivesse lhe prestando o maior favor de sua vida. Você diz “bom dia” e não te olham na cara, com raras exceções. Chega um momento em que você não sabe se deixa a educação que trouxe de casa de lado e passa a ser um deles, ou se insiste no contrário.
O Rio de Janeiro continua lindo, sim, verdade, mas precisa ser cuidado. As calçadas são irregulares e cheias de falhas. Até Odete Roitman foi vítima de uma, né. Fora que a preparação para grandes eventos ainda é um desafio. Assistir ao carro do Papa parado na Avenida Presidente Vargas ao lado de um ônibus como se fosse um morador comum preso no engarrafamento cotidiano é uma cena pitoresca. Além disso, ainda falta informação sobre deslocamento para os turistas. Enquanto transitar de metrô é relativamente tranquilo, andar de ônibus é uma tristeza. Todos os dias o prefeito Eduardo Paes se desculpa por alguma coisa, chega a ser cômico: pelas falhas no transporte, pela queda da Odete, pela superlotação em Copacabana.
Morar. Alguns me perguntam se moro sozinho. A resposta vem rápida, como se fosse até mesmo óbvia: não. Morar na zona sul é uma coisa cara, céus! Como o Rio de Janeiro é caro. Não só moradia como também alimentação e consumo. Um prato-feito custa 10 reais. Compras simples em um supermercado não saem por menos de 20 reais e a passagem do metrô vai a 3,20.
Crescer. Você sempre foi ao médico escolhido por sua mãe, cortava o cabelo no salão que ela recomendava, usava as marcas de produtos que ela aprovava. Num supermercado nunca havia passado em seções de comidas que precisam de preparo mais elaborado. Para fazer um macarrão o jeito foi imitar o que ouvi a vida toda e pedir ao balconista um "queijo curado" e ouvir que não tinham disso lá. A comida não é ruim, mas está longe do sabor de Minas. O feijão de todo dia deles é o feijão preto, que eu detesto. O “feijão carioca” aqui é um artigo raro: ironia fina. Deixar a casa dos pais também significa deixar a comidinha da mamãe, os carinhos e mimos de uma vida toda. Engraçado é passar sempre pelo carrinho do vendedor de milho verde quase todos os dias e lembrar-se de casa. Ser o único entre os seus amigos que nunca havia preparado um arroz com feijão e ser aquele a fazer as malas e deixar tudo pra trás: uma graça! O primeiro macarrão foi uma aventura, pois é assim que eu levo as coisas, não tem tempo ruim! Longe do sabor daquele da minha casa, mas orgulhoso pelo meu feito e por começar a gastar menos.
Pertencimento. Às vezes me pego repetindo mentalmente os textos do metrô ou decorando a ordem das estações para tentar assimilar esse local, para me sentir inserido, me sentir em casa. Ir até a Estação Cinelândia como algo cotidiano e banal, e ver a Estação Botafogo como “a da minha casa”. Acaba a novela das seis e eu fico esperando Fernanda Vieira dar boa noite, mas entra a Ana Luiza Guimarães com seu sotaque chiado trazendo as notícias do RJTV. Nem um oferecimento do Café Cajubá.
Isolamento. A interação não é o forte do carioca, sequer de muitos que vêm de fora pra cá. Por vezes passo minutos na janela olhando o movimento, imaginando para onde vão aquelas pessoas tarde da noite. À minha esquerda a estátua do Cristo Redentor, como um bom amigo, começo conversas com Ele para fazer algum desabafo ou pedido, em voz alta, para lembrar como é o meu próprio sotaqueDeus! Como eu sinto falta de um "UAI". Ir à missa domingo e escutar as mesmas músicas que cantavam na Catedral de Teresinha e chorar ali, tentando esconder de todos. Ir até um McDonald's é lembrar que você ia sempre com aquele amigo, ou ver uma cena engraçada que precisava ser compartilhada imediatamente com alguém que pensaria exatamente o mesmo que você e que te entenderia com um olhar. Difícil. 
O fim da linha. Fui até a zona norte apenas uma vez. Um brechó em Vila Isabel para saber mais sobre uma oportunidade de emprego. Por mais que circule na televisão uma propaganda sobre “O Rio é um só” eu senti a diferença assim que pisei fora da última estação do metrô na praça Saens Peña. Músicas alegres, comércio popular, gente andando com sacolas pra todo lado, por um minuto esqueci que estava no Rio e lembrei-me das ruas do centro de Uberlândia num sábado agitado.
Momentos únicos. Ver pessoas famosas é algo um tanto quanto engraçado. Você não sabe se deve se aproximar e parecer um maluco, ou se todos em volta estão te olhando e achando você um idiota ou stalker. É diferente e divertido. Ouvir alguém falando inglês, espanhol ou alguma língua irreconhecível é comum por aqui, mas ver a cidade do Rio tomada por povos de várias nações em busca de um mesmo ideal é algo indescritível. Assim foi a Jornada Mundial da Juventude, um grande evento que impulsionou também o turismo e gerou mais de 1 bilhão de reais para a economia do Rio. Acompanhar as multidões caminhando pelas ruas, túneis e orlas das praias teve o seu valor. A oportunidade de ver o Papa Francisco de perto valeu pelos dias não tão bons em terras fluminenses. Como cristão católico, aproveitei a oportunidade para ouvir seus discursos, ainda que sob chuviscos na praia de Copacabana, tudo muito inspirador para o que ainda está por vir.